quinta-feira, 5 de março de 2015

Retrospectiva Parte 2 | Em Março

Março.

O frio do Inverno europeu começa finalmente a se dissipar. Já é possível sair à rua sem três camadas de roupa, mais um casaco, mais um cachecol. O guarda-chuva hoje ficou em casa. Supostamente, este mês começa a Primavera.

Voltei às salas de há três anos atrás. Ás mesmas mesas e cadeiras completamente de madeira e nada ergonómicas, o quadro verde onde se escreve a giz, para horror de todos os professores e alunos alérgicos a pó, à escola secundária em que os alunos do último ano se acham invencíveis, no topo do mundo, para quem todos olham de baixo e respeitam e esperam um dia estar na posição em que eles estão. Não passei por lá, e ainda tenho de me lembrar que eles são dois anos mais novos que eu. DOIS anos. Apenas o facto de ser uma estranha numa sala cheia de alunos que se conhecem há três anos e que estão a meio do ano lectivo pode justificar um leve nervosismo, mas mesmo assim, não devia me deixar intimidar. Não estou ali porque chumbei, ou porque preciso de levantar a nota. Estou ali porque mudei de ideias e preciso de um exame que não me era sequer possível fazer no Brasil. Ainda assim, gostaria de lhes dizer isso - ao invés de os deixar a questionarem-se quem é que raios sou eu. Felizmente, as professoras têm sido simpáticas - afinal, estou a assistir a aulas de livre e espontânea vontade, o que no caso delas, é raro acontecer -, e eu voltei a sentir alegria e interesse nas aulas. A vontade de fazer exercícios mesmo sabendo que posso não saber tudo ainda. A dificuldade em entender poesia e depois, finalmente, a decifrar. Se calhar é desta que acertei no rumo que dar à minha vida.
Não que já tenha escolhido o curso, mind you. Há tantas opções que fico a pesquisar e a adicionar opções à minha já longa lista (demasiado longa, 2 lados de uma folha A4). Não posso fazer tudo, nem tudo são escolhas inteligentes, apesar de interessantes, e preciso de descobrir aquele que una ambos.

Estou finalmente a tirar a carta - digam comigo, ALELUIA. Depois de tal me ter sido negado no Brasil, quando realmente precisava (God bless a minha amiga e a família, que me deram boleias duram-te um ano inteiro), estou agora a fazer as aulas de código a um ritmo prodigioso, visto a minha quantidade de tempo livre, e taaaaalvez no Verão isto esteja feito.

A minha vida social resume-se aos amigos, de longa data, que uma vez por semana conseguem-me dar um pouco do seu tempo, ou convidar-me para algum evento que tenham. Eles ainda têm outros colegas, e vida social para além do nosso (ex-)grupo-antigo-de-amigos, mas eu não. Isso é chato. Sinto-me uma imposição. Não sou mais a amiga emigrante que está de visita. Sou a Mariana. Vivi no Brasil. E agora estou de volta aqui, à vida real, onde eles têm outros amigos, com quem convivem diariamente. E eu, sendo eu, tenho tanto medo de conhecer os novos amigos como de entrar na sala do 12º ano da minha ex-secundária. Apesar da nossa amizade ter aguentado três anos de emigração, no primeiro caso, ou de eu ser mais velha que eles dois anos, no segundo, eu continuo a ter inseguranças idiotas sobre o que os outros vão achar de mim. Como se isso valesse alguma coisa, como se importasse. Aparentemente, na minha cabeça, importa.

Inesperadamente, mas não tanto, sinto por vezes saudades do Brasil. Da vida que tinha lá. Eu era uma sortuda. E tinha uma boa vida, com um coro de crianças fofas que eu adorava e que gostavam de mim e onde eu podia cantar e ser feliz, e um pequeno mas óptimo grupo de amigas com quem me sentia livre para ser eu mesma, porque elas eram tal-e-qual como eu: ligeiramente nerds, fãs de várias séries e, quase a um nível lamechas, românticas que dói. Leitoras assíduas, interessadas no que está a acontecer no mundo, que se importam, com os outros e com os seus sentimentos e opiniões. E, melhor ainda, sem julgamentos. Aceitaram-me como eu sou, e eu também o fiz - a elas, e a mim. Sinto saudades delas. E receio os efeitos da distância e do tempo sobre nós. Mas por enquanto, Skype e outras redes sociais servirão para matar saudades, que não vale a pena me preocupar com aquilo que ainda não aconteceu.

Por aqui, é assim que estamos. Acampados em casa, e a criar, de novo, raízes e uma vida na terra que nunca deixou de ser a nossa.
Mariana

sábado, 10 de janeiro de 2015

Retrospectiva

Num quarto de hotel, com tudos os pertences a caminho de Lisboa, faço um balanço dos três anos que passei no Brasil.

Em três anos aprendi o que é ser a estranha, a estrangeira, num outro país: lidar com piadas, gracinhas, e fazê-lo de cabeça erguida, com riso fácil e noção de que algumas são merecidas, e outras não, e essas há-que ignorar e esquecer que foram ditas.

Aprendi a cantar, a viver para a música, e dela tirar o maior prazer da vida. O canto me trouxe algumas das melhores experiências deste ano: viagens, concertos, gravações. Nunca me senti tão útil, tão apreciada, e tão realizada.

Aprendi a apreciar o momento, viver a vida no aqui e no agora, com as pessoas que estão presentes. Nada nos obriga a esquecer as que estão longe, se elas não se esqueceram de nós. Mas não podemos ficar presos à saudade, nem ao medo, nem ao acanhamento. 

Aprendi que o pior, é não tentar. É ficar para sempre nos perguntando "e se?...". Aprendi que às vezes 2 segundos de coragem valem a pena. Este ano estou a pôr em prática esta mesma teoria. E aprendi também que com tentativas vêm erros, que têm de ser admitidos, analisados e superados. Thomas Edison disse das tentativas falhadas da lâmpada: "eu não falhei. Eu só descobri 10,000 maneiras que não funcionam." E é isso a vida: uma sequência de tentativas e falhas e acertos.

Aprendi que o mundo está cheio de problemas. Que há 1,001 discussões para se fazerem, e que só não as conhecem quem nunca teve os seus olhos abertos para o mundo. Acredito agora que é função da escola não apenas ensinar a gramática, e a geografia, e a matemática, e a história, e a educação física, como também a actualidade - a geopolítica, as religiões, a sociologia. Percebi que é necessário discussão, debate, abrir olhos e chocar mentalidades para acordar todos para os problemas que se passam no mundo. Há 3 anos eu não discutia política. Eu não conhecia a presença do racismo no mundo ainda hoje. Eu tinha uma leve ideia do machismo no mundo, mas não conhecia o feminismo - e só não o apoia quem não o compreende.

Aprendi que é importante nos abrirmos à felicidade. À felicidade em gostar daquilo que gostamos. À felicidade que se encontra num bonito pôr-do-sol, no vento num dia quente, no autocarro que chega ao mesmo tempo que nós à paragem. Antes ofendia-me por me chamarem nerd. Hoje sou-o com orgulho. Nerd não é marrão. Nerd é apaixonado. Nerd é fã. E eu sou fã. Eu sou fã de muita coisa, e fico feliz quando vejo/leio/oiço aquilo de que gosto. E agora sou feliz por ser assim: apaixonada ao invés de impassiva. Emotiva ao invés de fria. Eu me permito ser do jeitinho estranho e nerd que eu sou, e sou feliz.

Acima de tudo, aprendi a viver de maneira diferente. A me adaptar e a me preservar, também. Aprendi costumes novos e ensinei e mantive os meus. Celebrei a festa Junina e o Santo António, o Dia dos Namorados em Agosto e em Fevereiro. Tornei-me passeante de shopping também, e amante da Avenida Paulista. A "pegar" o "metrô", mantendo a mochila na frente do corpo, e o "ônibus" até casa "no ponto", que dura duas horas e meia de caminho. A lidar com filas em todo o lado, seja na Bienal ou no pagamento do estacionamento, na exposição no MASP e no drive-in do McDonald's.


Em três anos aprendi tanta coisa. Aprendi tanto sobre mim e sobre o mundo. Mas 2015 traz ainda mais surpresas, mais ensinamentos, mais descobertas. Ou assim o espero, porque ainda me falta aprender tanto.
Mariana