Março.
O frio do Inverno europeu começa finalmente a se dissipar. Já é possível sair à rua sem três camadas de roupa, mais um casaco, mais um cachecol. O guarda-chuva hoje ficou em casa. Supostamente, este mês começa a Primavera.
Voltei às salas de há três anos atrás. Ás mesmas mesas e cadeiras completamente de madeira e nada ergonómicas, o quadro verde onde se escreve a giz, para horror de todos os professores e alunos alérgicos a pó, à escola secundária em que os alunos do último ano se acham invencíveis, no topo do mundo, para quem todos olham de baixo e respeitam e esperam um dia estar na posição em que eles estão. Não passei por lá, e ainda tenho de me lembrar que eles são dois anos mais novos que eu. DOIS anos. Apenas o facto de ser uma estranha numa sala cheia de alunos que se conhecem há três anos e que estão a meio do ano lectivo pode justificar um leve nervosismo, mas mesmo assim, não devia me deixar intimidar. Não estou ali porque chumbei, ou porque preciso de levantar a nota. Estou ali porque mudei de ideias e preciso de um exame que não me era sequer possível fazer no Brasil. Ainda assim, gostaria de lhes dizer isso - ao invés de os deixar a questionarem-se quem é que raios sou eu. Felizmente, as professoras têm sido simpáticas - afinal, estou a assistir a aulas de livre e espontânea vontade, o que no caso delas, é raro acontecer -, e eu voltei a sentir alegria e interesse nas aulas. A vontade de fazer exercícios mesmo sabendo que posso não saber tudo ainda. A dificuldade em entender poesia e depois, finalmente, a decifrar. Se calhar é desta que acertei no rumo que dar à minha vida.
Não que já tenha escolhido o curso, mind you. Há tantas opções que fico a pesquisar e a adicionar opções à minha já longa lista (demasiado longa, 2 lados de uma folha A4). Não posso fazer tudo, nem tudo são escolhas inteligentes, apesar de interessantes, e preciso de descobrir aquele que una ambos.
Estou finalmente a tirar a carta - digam comigo, ALELUIA. Depois de tal me ter sido negado no Brasil, quando realmente precisava (God bless a minha amiga e a família, que me deram boleias duram-te um ano inteiro), estou agora a fazer as aulas de código a um ritmo prodigioso, visto a minha quantidade de tempo livre, e taaaaalvez no Verão isto esteja feito.
A minha vida social resume-se aos amigos, de longa data, que uma vez por semana conseguem-me dar um pouco do seu tempo, ou convidar-me para algum evento que tenham. Eles ainda têm outros colegas, e vida social para além do nosso (ex-)grupo-antigo-de-amigos, mas eu não. Isso é chato. Sinto-me uma imposição. Não sou mais a amiga emigrante que está de visita. Sou a Mariana. Vivi no Brasil. E agora estou de volta aqui, à vida real, onde eles têm outros amigos, com quem convivem diariamente. E eu, sendo eu, tenho tanto medo de conhecer os novos amigos como de entrar na sala do 12º ano da minha ex-secundária. Apesar da nossa amizade ter aguentado três anos de emigração, no primeiro caso, ou de eu ser mais velha que eles dois anos, no segundo, eu continuo a ter inseguranças idiotas sobre o que os outros vão achar de mim. Como se isso valesse alguma coisa, como se importasse. Aparentemente, na minha cabeça, importa.
Inesperadamente, mas não tanto, sinto por vezes saudades do Brasil. Da vida que tinha lá. Eu era uma sortuda. E tinha uma boa vida, com um coro de crianças fofas que eu adorava e que gostavam de mim e onde eu podia cantar e ser feliz, e um pequeno mas óptimo grupo de amigas com quem me sentia livre para ser eu mesma, porque elas eram tal-e-qual como eu: ligeiramente nerds, fãs de várias séries e, quase a um nível lamechas, românticas que dói. Leitoras assíduas, interessadas no que está a acontecer no mundo, que se importam, com os outros e com os seus sentimentos e opiniões. E, melhor ainda, sem julgamentos. Aceitaram-me como eu sou, e eu também o fiz - a elas, e a mim. Sinto saudades delas. E receio os efeitos da distância e do tempo sobre nós. Mas por enquanto, Skype e outras redes sociais servirão para matar saudades, que não vale a pena me preocupar com aquilo que ainda não aconteceu.
Por aqui, é assim que estamos. Acampados em casa, e a criar, de novo, raízes e uma vida na terra que nunca deixou de ser a nossa.
Mariana
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